A Procuradora de Justiça Jaceguara Dantas da Silva Passos, Coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça dos Direitos Constitucionais do Cidadão e dos Direitos Humanos (CAO Direitos Humanos), ministrou palestra durante o seminário “O Negro no Século XXI”, organizado pela Subsecretaria de Políticas Públicas para Promoção da Igualdade Racial e Cidadania (Subpirc), ligada à Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho (Sedhast), abordando o tema o “Extermínio ou Homicídio da Juventude Negra e Pobre no Brasil?”.

A palestra foi ministrada na quinta-feira (12/11/2015), no auditório da Associação dos Municípios de Mato Grosso do Sul (Assomasul), nesta Capital. Em seguida, ocorreram debates orientados pela Procuradora de Justiça Jaceguara Passos, pelo subsecretário da Subpirc, Carlos Versoza, e pela Professora Raimunda Luzia de Brito, membro da Comissão sobre Escravidão Negra na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de MS.

Durante a palestra, a Procuradora de Justiça lembrou que o racismo é o sintoma mais agudo de uma patologia social que sangra a dignidade brasileira e, a cada ciclo econômico, o Brasil foi se desenvolvendo e tornando cada vez mais sofisticada a maneira pelo qual se materializava a exploração dos negros. Segundo ela, ao Racismo Material soma-se o Racismo Simbólico, pelo qual a gente negra se torna invisível. Apesar de representar significativa camada da população e do mercado consumidor, ela pouco aparece nas novelas, filmes e campanhas publicitárias. E, aparecendo, muitas vezes, funciona como coadjuvante ou representando papel subalterno ao branco. “É um expediente altamente destrutivo para a autoestima do negro”, acrescenta a Procuradora.

A Procuradora lembrou também que há um genocídio simbólico, “uma tentativa de amordaçar a vontade, de esmagar a autoestima e de suprimir a esperança da população negra e pobre ao longo dos séculos em que está presente no território do Brasil”. Segundo ela, a própria existência de leis e mecanismos específicos de proteção (Estatuto da Criança e do Adolescente; Estatuto do Idoso; Lei Maria da Penha, ações afirmativas etc.) indicam claramente as desigualdades e as vulnerabilidades existentes.

A Coordenadora do CAO Direitos Humanos afirma que o Mapa da Violência coordenado pelo Professor Julio Jacobo Waiselfisz e divulgado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), no tópico “A Cor dos Homicídios”, revela que, entre os jovens, a situação é muito preocupante: o número de vítimas jovens negras aumentou 32,4%.

Salienta que três fatores devem ser mencionados para a compreensão dessa situação: 1º, a crescente privatização do aparelho de segurança – os setores com melhor condição financeira emergem serviços privados de melhor qualidade (escolas, planos de saúde, planos previdenciários, etc.), os menos abastados têm que se contentar com o mínimo que o Estado oferece; 2º, a segurança, a saúde, a educação, etc. são áreas que formam parte do jogo político-eleitoral e da disputa partidária – as ações e a cobertura da segurança pública são de forma desigual nas diversas áreas geográficas, priorizando espaços com visibilidade política e impacto na opinião pública, principalmente na mídia; e o 3º fator, um forte esquema de “naturalização” e aceitação social da violência, operando pela culpabilidade da vitima, justificando a violência dirigida, principalmente a grupos vulneráveis como mulheres, crianças, e adolescentes, idosos, negros, etc. – os mecanismos dessa culpabilização são variados: a estuprada foi quem provocou ou ela se vestia como uma “vadia”; o adolescente vira marginal, delinquente, drogado, traficante; aceitabilidade de castigos físicos ou punições morais com função “disciplinadora” por parte das famílias ou instituições; moreno de boné e bermudão é automaticamente suspeito etc.

Durante a palestra, a Procuradora destacou que o fenômeno de homicídios que vitimiza a juventude negra é um dos problemas atuais mais desafiadores para a agenda de Políticas Públicas no Brasil. Salienta que mais de um milhão de pessoas foram vítimas de assassinato entre 1980 e 2010. Os homicídios são a principal causa de morte de jovens de 15 a 29 anos, atingindo majoritariamente jovens negros de sexo masculino, baixa escolaridade, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos.

Afirmou que, na pesquisa intitulada “Estudo Global sobre Homicídios 2013”, desenvolvida pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), indica-se que: (i) 437 mil pessoas em todo o mundo perderam a vida em 2012; (ii) o Brasil ocupa um lugar de destaque no “ranking” dos países mais violentos do mundo; (iii) o Brasil tem 11 das 30 cidades mais violentas do mundo: Maceió, Fortaleza, João Pessoa, Natal, Salvador, Vitória, São Luís, Belém, Campina Grande, Goiânia; e Cuiabá.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2013 divulgou o estudo “Violência letal no Brasil e vitimização da população negra: qual o papel das polícias e do Estado?”, em que confirma a grande desigualdade entre brancos e negros na abordagem praticada pelas polícias. “A desigualdade é explicitada pela diferença entre os números de homicídios que vitimiza a população branca e negra e pela possibilidade 3,7 vezes maior de um adolescente negro ser vítima de homicídio do que a de um branco”, destaca a Procuradora de Justiça.

De acordo com estudo do IPEA, “ser negro corresponde a (fazer parte de) uma população de risco: a cada três assassinatos, dois são de negros”. Existe racismo institucional no país, expresso principalmente nas ações da polícia. O aparato estatal encarregado da segurança pública pauta sua conduta pela manutenção da ordem pública. O IPEA sugere que temos uma democracia incompleta. É necessário aclarar o conceito de “ordem pública”, segundo a Procuradora de Justiça. Acrescenta que a ausência de mecanismos efetivos de controle (externo e interno) da atividade policial torna a população – principalmente jovens negros e pobres – verdadeiros reféns de um sistema seletivo e truculento. E um dos aspectos mais cruéis de todo esse panorama é que muitos dos policiais, igualmente, são negros e pobres.

Confira fotos da palestra: Foto1, Foto2, Foto3