Há pouco mais de dois anos, em Mariana – MG, ocorreu a maior tragédia ambiental do Brasil. Em decorrência do rompimento da barragem da empresa Samarco morreram 19 pessoas, milhões de outras tiveram suas vidas atingidas e os danos à natureza são irreparáveis e incalculáveis.

A situação é complexa, muitas causas para o “acidente” podem ser estudadas ou fundamentadas, mas, neste artigo, gostaria de trazer um ponto à reflexão: será que o sistema de barragem de armazenamento do rejeito do minério foi o melhor que poderia ter sido escolhido? Não existiria outro sistema ou técnica que fosse mais benéfico ao meio ambiente e trouxesse menos riscos às pessoas?

Na opinião do Ministério Público de Minas Gerais não. A escolha da barragem foi a pior possível, conforme sustentou em Ação Civil Pública ajuizada em 04 de novembro de 2016 contra o Estado de Minas Gerais para não permitir mais construções de barragens pelo método de alteamento para montante (para ter acesso à ação, clique aqui: https://www.mpms.mp.br/noticias/2016/11/dissertacao-de-mestrado-do-promotor-de-justica-do-ms-serve-como-base-no-processo-da-samarco).

Segundo a ação, constam em tramitação administrativa 37 pedidos de licenciamento ambiental de empreendimentos cujas atividades envolvem disposição final ou temporária de rejeitos de mineração, em barragens que utilizam o método de alteamento a montante, tecnologia esta que se demonstra como ultrapassada e sem a segurança necessária.

Em oportunidade mais recente (30/10/2017) a Justiça de Minas Gerais, a pedido do Ministério Público, concedeu liminar para que o Estado de Minas Gerais se abstenha de conceder qualquer licença ambiental à empresa Vale S/A para construção da Barragem Maravilhas III, sendo que no pedido, um dos fundamentos foi justamente a ausência de um estudo que comprovasse que aquele tipo de barragem seguiria o conceito das Melhores Técnicas Disponíveis.

Naquela ação foi utilizado como argumento parte da obra do signatário deste artigo ("Licenciamento ambiental: a obrigatoriedade da adoção das Melhores Técnicas Disponíveis - MTD), em que se sustenta que tal obrigação se extrai:

“[...] do próprio artigo 225, da Constituição Federal, quando estabelece a necessidade de estudos de impacto ambiental, uma vez que não faria nenhum sentido que o legislador constitucional exigisse tais estudos se, depois de estudadas todas as técnicas possíveis e seus impactos no meio ambiente, houvesse liberdade irrestrita na escolha de qualquer uma delas. O lógico que se depreende é justamente que tais estudos são necessários para estudar várias alternativas, elegendo-se a melhor entre elas, ou seja, as melhores técnicas disponíveis.”

O conceito de MTD é amplamente difundido nos Estados Unidos – país de onde o Brasil tirou inspiração para seu sistema de licenciamento ambiental – e na Europa, em que não se permite a instalação de empreendimentos de grande porte que não sigam patamares técnicos dentre os melhores disponíveis no mercado.

As MTDs são um conceito que internalizam a ideia de que, sendo possível que uma atividade econômica se desenvolva com menor impacto ou risco ao meio ambiente e à segurança ou saúde das pessoas, ela deve adotar aquela técnica ou tecnologia, desde que seu custo seja razoável, ainda que não seja o mais barato do mercado.

No Brasil, infelizmente, a despeito desta necessidade poder ser extraída do artigo 225 da Constituição Federal (como apontado no texto acima, qual motivo de se exigir um estudo de impacto ambiental se, constatadas várias possibilidades, puder o empreendedor escolher quaisquer delas?) e também estar expressa em alguns instrumentos normativos (p. ex: Lei Federal n. 12.305/2010, art. 1º, § 1º), a exigência das MTDs é praticamente ignorada.

Em geral, nos estudos ambientais, quem define qual técnica ou tecnologia irá utilizar é o próprio empreendedor, não havendo interesse ou esforços em identificar se o que foi proposto é o melhor para o ambiente e a saúde ou segurança das pessoas.

Veja-se que, se durante o licenciamento ambiental da barragem rompida em Mariana-MG, houvesse sido feito um estudo de quais eram as melhores opções técnicas disponíveis, quem sabe, tal desastre teria sido evitado, salvando-se vidas e preservando o meio ambiente.

É interessante registrar que a escolha pelas melhores técnicas é algo que perpassa quase todas as atividades econômicas que impactem na saúde ou no meio ambiente, desde qual sistema de fornos usar em uma fábrica (elétrico ou a carvão: qual o menos poluente?), o sistema de irrigação de uma cultura (gotejamento ou aspersão: qual gasta menos água), até o sistema produtivo em si (colheita da cana: com queima e manual ou mecanizada: qual é menos prejudicial ao meio ambiente e à saúde?).

Desta forma é louvável a iniciativa do Ministério Público de Minas Gerais em trazer este tema à tona e buscar sua implementação no Brasil.

 

*Luciano Furtado Loubet é Promotor de Justiça no Mato Grosso do Sul e mestre em Direito Ambiental e da Sustentabilidade pela Universidade de Alicante, Espanha