O Supremo Tribunal Federal irá julgar, na data de hoje (04.04), habeas corpus impetrado pelo ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em que será reapreciada posição anterior da Suprema Corte acerca da possibilidade da execução provisória da pena fixada em acórdão penal condenatório por Tribunal, ainda que sujeito a recursos para o Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal.

O assunto divide o país, com posições extremadas, manifestações de autoridades civis e militares, de modo explícito ou por via oblíqua, como resultado de um sentimento difuso de absoluta intolerância à corrupção sistêmica que se irradiou pelo Brasil.

Importante destacar que, em relação ao tema em julgamento, durante anos, o Supremo Tribunal Federal entendeu compatível com a Constituição Federal o cumprimento imediato das penas quando o julgamento do recurso não possuía efeito suspensivo. Somente em 2009, no julgamento do habeas corpus 84.078, o STF decidiu pela impossibilidade de cumprimento imediato da pena antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.

No entanto, em setembro de 2016, no julgamento do habeas corpus 126.292, o STF altera seu entendimento firmado em 2009 e decide pela possibilidade de cumprimento imediato da pena após julgamento por Tribunal, mesmo que existentes recursos sem efeito suspensivo.

A Suprema Corte fixou o entendimento, conforme expôs o Ministro Gilmar Mendes no julgamento citado, de que “esgotadas as instâncias ordinárias com condenação à pena privativa de liberdade não substituída, tem-se uma declaração, com considerável força de que o réu é culpado e sua prisão necessária. Nesse estágio, compatível com a presunção de não culpabilidade determinar o cumprimento das penas, ainda que pendentes de recursos”.

Essa posição do STF, como manifestou o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais - CNPG em nota técnica encaminhada aos Ministros do Suprema Corte, confere dimensão ao princípio constitucional da presunção de não culpabilidade compatível ao entendimento tanto da Corte Interamericana de Direitos Humanos quanto do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas.

Com posicionamento idêntico, abaixo assinado subscrito por mais de seis mil magistrados e membros do Ministério Público, foi entregue no STF, inclusive por este Procurador-Geral de Justiça, explicitando que a eventual revisão do entendimento sobre a execução provisória da pena será grave retrocesso no combate à criminalidade, com a possibilidade de liberação de traficantes, homicidas, pedófilos e diversos outros criminosos.

Demais disso, não se pode olvidar que a decisão tomada pelo STF impactará fortemente os rumos da operação Lava Jato, uma vez que eventual revisão da posição do STF criará um precedente que terá efeito multiplicador na concessão de liberdade a inúmeros condenados por atos de corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes praticados por organizações criminosas que se espalharam pelo nosso país.

O Supremo Tribunal Federal tem hoje uma grande responsabilidade, não apenas em julgar um habeas corpus de um ex-Presidente da República, mas de decidir se o Ministério Público e o Poder Judiciário podem lutar com eficiência contra a impunidade, especialmente nesse momento da história em que não se tolera mais a corrupção que historicamente se espalhou pelo Brasil.

Como afirmou o Ministro Luis Roberto Barroso, do STF, “o Brasil se deu conta de que vivenciávamos uma corrupção sistêmica, endêmica, que não era produto de falhas pessoais, era um modo de conduzir o país”. Para o Ministro, o país celebrou um “pacto de saque ao Estado”, firmado entre empresários, políticos e a burocracia estatal, com renovação constante dos acordos de corrupção.

Esse estado de coisas não pode ser admitido. E a sociedade não mais tolera. 

Caso o STF reveja o entendimento da possibilidade de prisão, após condenação em segunda instância, haverá evidente retrocesso no combate, dentre outras espécies de criminalidade, especialmente aos crimes de corrupção, com grave prejuízo à Operação Lava Jato.

O Brasil não tolera mais uma cultura de desonestidade e impunidade. 

Como Procurador-Geral de Justiça, membro do Ministério Público e cidadão brasileiro, espero que os Ministros do Supremo Tribunal Federal não alterem o entendimento firmado em 2016, que se possibilite, em consonância com o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Comitê de Direitos Humanos da ONU, a execução da pena após condenação em segunda instância. 

Paulo Cezar dos Passos / Procurador-Geral de Justiça MPMS