Nos 40 anos de história do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, completados em 2019, Paulo Cezar dos Passos foi seu primeiro Procurador-Geral de Justiça a presidir uma instituição conhecida nacionalmente.

Seu mandato à frente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG) buscou respeitar as peculiaridades regionais e, com o apoio do Colegiado, foram traçados políticas e planos de atuação fundamentais para impedir o enfraquecimento do Ministério Público brasileiro.

Por dois mandatos, Passos também liderou o MPMS e sua gestão foi marcada pela consolidação da democracia e pelo avanço institucional.

O Ministério Público tem o dever de combater a corrupção, sem descuidar de outras atribuições, como a defesa dos direitos humanos e a atuação em prol de uma sociedade mais justa e igualitária. Partindo dessa premissa, Paulo Passos conduziu as duas instituições com afinco e comprometimento e, assim, conquistou o respeito e a admiração dos membros e se tornou referência para o MP brasileiro.

Em clima de despedida, Paulo Passos concedeu entrevista à Assessoria de Comunicação do MPMS e falou sobre a sua experiência, os desafios e os avanços ao liderar instituições de tamanha importância para a sociedade e para o sistema de justiça.

Assecom — Presidir o CNPG foi algo inédito para o “Parquet” sul-mato-grossense. Como o senhor avalia essa conquista?

Paulo Passos — Para mim, tanto no campo pessoal quanto no profissional, foi um momento ímpar na minha vida. Ter sido aclamado de modo unânime por todos os Procuradores-Gerais do Brasil foi uma honra e uma enorme responsabilidade.

Essa escolha se deveu também ao trabalho de excelência desenvolvido por todos os membros e servidores do MPMS, pois conseguimos ocupar um lugar de destaque no cenário nacional.

Assecom — O CNPG é composto por Procuradores-Gerais de Justiça de todos os Estados e cada região do Brasil tem sua peculiaridade. Para o senhor, o Conselho está respeitando essas diferenças?

Paulo Passos — O Brasil é um país de dimensão continental, o que já traz uma enorme dificuldade, pois as realidades regionais são bem diferentes.

Ademais, o Ministério Público é uma instituição fundamental para o Brasil, composta de pessoas extremamente qualificadas e muito críticas.

Ao presidir o CNPG é obrigatório respeitar esse viés crítico dos nossos membros, com atenção às peculiaridades de cada unidade, o que sempre foi desenvolvido nesse órgão integrado pelos chefes do Ministério Público nacional.

Assecom — O CNPG ficou em evidência nacional ao impedir que matérias que enfraqueceriam a atuação do MP brasileiro fossem aprovadas com o texto original, como a Lei de Abuso de Autoridade, o Pacote Anticrime e o Plano Mansuetto. Para o senhor, que fatores contribuíram para essas conquistas?

Paulo Passos — O CNPG desenvolveu um diálogo republicano com o Parlamento, com uma atuação intensa junto aos nossos representantes eleitos para demonstrar a importância das garantias e prerrogativas do Ministério Público para a perene consolidação da nossa ordem constitucional.

O trabalho conjunto com a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), com a Associação Sul-Mato-Grossense dos Membros do Ministério Público (ASMMP) e com os demais setores associativos permitiu que pudéssemos ter sucesso nas múltiplas tarefas desenvolvidas em prol do Ministério Público.

Assecom — A Lei de Abuso de Autoridade começou a valer a partir de janeiro deste ano. De que forma o Ministério Público está atuando para impedir que essa medida interfira na investigação de denúncias que envolvem patrimônio público, crime organizado, entre outros?

Paulo Passos — Enquanto Procurador-Geral de Justiça, sempre confiei na atuação dos membros da nossa instituição e não creio que a Lei de Abuso de Autoridade irá interferir na atuação equilibrada e correta do Ministério Público, que traz resultados extremamente positivos para a sociedade.

A Lei de Abuso de Autoridade destina-se a quem age com má-fé, com deliberada intenção de prejudicar o investigado. Isso não é tolerado por ninguém. O Ministério Público sempre agiu de modo contundente para coibir qualquer desvio de conduta, o que continuará a ser feito, independentemente da nova legislação.

Assecom — Falando em crime organizado, o Gaeco é considerado o “braço” do Ministério Público. Quais são as maiores dificuldades encontradas pelo grupo na condução das investigações e por quê?

Paulo Passos — Reconheço o brilhante trabalho feito por todos os colegas que compõem o Gaeco. A atuação dos membros do MPMS nesse grupo especializado foi destacada, demonstrando, com competência, coragem e técnica, que ninguém se encontra acima da lei, ainda que detentores de poder político e/ou econômico.

As maiores dificuldades surgem ante a necessidade constante de aprimoramento das técnicas de investigação, uma vez que os crimes se tornam mais complexos e, por conseguinte, a apuração precisa ser centrada em modernos instrumentos tecnológicos para desvendar ilícitos que causam extremo prejuízo aos cidadãos deste Estado.

Assecom — A pandemia da COVID-19 transformou o cenário mundial e os MPs em todo o país estão adotando medidas para conter o avanço da contaminação. Na sua avaliação, o Ministério Público estava preparado para agir neste momento crítico?

Paulo Passos — O mundo foi surpreendido com a rapidez com que tudo ocorreu, transformando o cotidiano de todos nós. O MPMS sempre teve como prioridade a preservação da vida. Adotamos medidas duras na área administrativa para proteger nossos membros, servidores, terceirizados e estagiários. Reduzimos de forma drástica gastos, ante a grave crise econômica que se avizinha, pois temos que ter consciência do momento que o país atravessa.

Apesar do regime diferenciado que adotamos, para preservar a integridade física de todos, continuamos a trabalhar intensamente em prol da sociedade de Mato Grosso do Sul. Temos números expressivos, com a prática de mais de 33 mil atos nesse momento crítico.

Ademais, constituímos força-tarefa para dar unidade à atuação institucional, tendo todos os membros trabalhado com denodo para assegurar a vida das pessoas.

Assecom — Como o senhor resumiria a política brasileira neste momento?

Paulo Passos — O atual momento do nosso país mostra uma sociedade extremamente dividida, com atos de intolerância quando há pensamentos contrários. A democracia implica em respeito ao contrário; o fato de pensar diferente tem que ser tolerado e respeitado. Também é fundamental haver respeito aos representantes dos Poderes e instituições, pois são a expressão do Estado.

A liberdade de expressão é um valor caro em um regime democrático, sendo natural a crítica aos detentores do Poder, mas essa crítica não pode ser deturpada para ataque pessoal, violência ou ofensa. Acresça-se a isso a absurda proliferação das “fake news”, em que mentiras são espalhadas em redes sociais e tomam dimensão, em um fenômeno que destrói reputações, espalhando inverdades.

Assecom — Em maio o senhor se despede também do comando do MPMS. Nestes quatro anos, a Instituição passou por mudanças significativas como o fato de ocupante do cargo de Promotor de Justiça poder agora assumir o cargo de PGJ. Para o senhor, o que significou essa conquista?

Paulo Passos — Sempre defendi a possibilidade de qualquer Promotor de Justiça concorrer ao cargo de Procurador-Geral de Justiça. Penso que foi um grande avanço para a democracia interna essa possibilidade, em especial por apenas os Estados de São Paulo e Roraima ainda não a permitirem.

Com a compreensão do Colégio de Procuradores de Justiça, do Governador do Estado e da Assembleia Legislativa, conseguimos efetuar alterações na Constituição Estadual e na Lei Orgânica do Ministério Público de Mato Grosso do Sul para assegurar esse avanço.

Assecom — Quais os setores do MPMS que tem mais demandas e quais são as mais comuns?

Paulo Passos — O MPMS possui uma estrutura que atende toda a sociedade sul-mato-grossense, tendo demandas em múltiplas áreas, tais como da infância e da juventude, do meio ambiente, do consumidor, criminal, da improbidade administrativa e tantas outras que interessam à realidade das pessoas.

Todas as demandas são importantes e desenvolvemos estruturas para que possamos dar respostas adequadas à sociedade.

Assecom — Uma das metas na sua gestão era aproximar o MPMS da sociedade. O senhor acredita que esse objetivo foi atingido? A sociedade conhece o trabalho do Ministério Público?

Paulo Passos — O MPMS se tornou mais conhecido da sociedade, pois nos aproximamos do povo. Desenvolvemos projetos, fomos premiados no Conselho Nacional do Ministério Público, atingimos patamar de excelência para que pudéssemos nos aproximar com maior intensidade da sociedade.

O trabalho feito por cada integrante do MPMS atinge as pessoas e, em cada cidade de nosso Estado, é sabido que se pode contar com uma Promotora ou um Promotor de Justiça para defender a cidadania.

Assecom — Após essa trajetória expressiva no comando do CNPG e do MPMS, quais são seus próximos projetos?

Paulo Passos — Irei tirar férias e, após estas, retomar minhas atividades como Procurador de Justiça com atribuição na área criminal, sempre buscando contribuir para o trabalho do MPMS e auxiliando nosso próximo Procurador-Geral de Justiça.

Assecom — Qual mensagem ou conselho o senhor quer transmitir para o Procurador-Geral de Justiça do MPRS, Fabiano Dallazen, e para o Promotor de Justiça Alexandre Magno Benites de Lacerda, seus sucessores no CNPG e no MPMS respectivamente, que estão assumindo instituições de extrema importância para a sociedade e para o Ministério Público como um todo?

Paulo Passos — O Ministério Público brasileiro, a partir do desenho constitucional de 1988, vem construindo uma bela história para tornar concretos os direitos que a Constituição Federal insculpiu. Não tem sido fácil, mas, pelo trabalho de todos, temos conseguido atender o interesse maior da sociedade brasileira.

O CNPG está em excelentes mãos, pois o colega Fabiano Dallazen, PGJ do MPRS, tem capacidade técnica e liderança invulgar, que o credenciam a comandar esse importante colegiado que congrega todos os chefes do Ministério Público brasileiro.

Meu amigo Alexandre Magno, que assume no dia 4.5 a chefia do MPMS, é – sem qualquer dúvida – a pessoa mais capacitada para exercer o cargo de Procurador-Geral de Justiça.

Os desafios que ambos enfrentarão serão enormes, alguns imprevisíveis, mas com as qualidades pessoais e profissionais que possuem, tanto no âmbito estadual como no âmbito nacional, o Ministério Público estará muito bem representado.

Por fim, o Ministério Público brasileiro sempre estará presente na defesa dos interesses de cada homem, mulher e criança que habitam o estado brasileiro, os quais são a razão da existência da nossa instituição.

Entrevista: Ana Paula Leite/jornalista Assecom MPMS