Dimana dos autos que o recorrido E.P.F. foi denunciado e condenado em primeira instância pela prática do delito de estupro de vulnerável, em concurso material de crimes e em continuidade delitiva, perpetrado contra as crianças E.V.T.G. e E.V.P.G., que contavam, respectivamente, com 11 e 8 anos de idade ao tempo dos fatos.

A defesa interpôs apelação criminal, pugnando pela absolvição do réu, ao argumento de que o conjunto probatório seria insuficiente para embasar o decreto condenatório.

Ao apreciar a irresignação, a 1ª Câmara Criminal do TJMS, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso defensivo, para absolver o acusado da imputação atinente à E.V.T.G., e, de ofício, reconheceu a modalidade tentada do crime de estupro de vulnerável praticado em face da infante E.V.P.G, ao fundamento de que “não há como, no caso concreto, considerar uma apalpação, no órgão genital da vítima, estando o apelante totalmente vestido, como estupro consumado” (fl. 260).

À vista disso, a 12ª Procuradoria de Justiça Criminal, por meio da Procuradora de Justiça Lucienne Reis D’Avila, interpôs Recurso Especial, no qual apontou negativa de vigência ao art. 217-A do CP e sustentou que o acórdão divergiu de entendimento consolidado pelo STJ, segundo o qual “A prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal contra vulnerável constituiu consumação do delito de estupro de incapaz, não havendo que se falar em tentativa ou desclassificação da conduta. (HC 568.088/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 10/06/2020 – g.n.)”.

O REsp teve seu seguimento negado, ante o suposto óbice da Súmula 83 do STJ, o que desaguou em Agravo de Instrumento, em sede do qual o Vice-Presidente do TJMS reconsiderou o veredito inicial e admitiu o apelo extremo.

Encaminhado o recurso ao STJ, o Subprocurador-Geral da República Mario Ferreira Leite apresentou parecer favorável ao provimento do Recurso Especial, por entender que “sendo incontroverso o ato libidinoso praticado contra menor de 14 anos, encontra-se consumado o crime de estupro de vulnerável, vez que reunidos todos os elementos de sua definição legal, não incumbindo ao órgão julgador a escolha da forma tentada ou consumada do delito mediante o grau de ofensividade do elemento normativo ‘ato libidinoso.’” (fl. 421 e-STJ).

Recebida na 6ª Turma da Corte da Cidadania, a irresignação recebeu a relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, que, em decisão monocrática, conheceu e deu provimento ao REsp, para o fim de condenar o réu pela forma consumada do delito de estupro de vulnerável, fixando-lhe a pena de 11 anos, 2 meses e 12 dias de reclusão.

Destacou o Ministro Relator: “(...) ‘o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, que caracteriza o delito tipificado no revogado art. 214 do Código Penal, inclui toda ação atentatória contra o pudor praticada com o propósito lascivo, seja sucedâneo da conjunção carnal ou não, evidenciando-se com o contato físico entre o agente e a vítima durante o apontado ato voluptuoso’ (AgRg REsp n. 1.154.806/RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 21/3/2012). Nesse contexto, é pacífica a compreensão de que o delito de estupro de vulnerável se consuma com a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual da vítima, conforme já definido por esta Corte Superior; por isso, não há que falar em tentativa.”

Tal decisão transitou em julgado no dia 24 de setembro de 2021 e seu inteiro teor pode ser consultado aqui.

 

Texto: 12ª Procuradoria de Justiça Criminal